
Por Guilherme Paixão
Data: 27 de junho de 2025
Imigrantes encontram no setor de alimentação fora do lar uma oportunidade de recomeço, integração e conexão cultural

Nos bares e restaurantes do Brasil, a presença de imigrante já faz parte da rotina — e não apenas como cliente. Cresce o número de estabelecimentos que contratam trabalhadores imigrantes como resposta à escassez de mão de obra qualificada e como forma de promover diversidade e enriquecer a cultura do atendimento e da cozinha.
Dados recentes do Boletim das Migrações, elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), revelam que mais de 203 mil imigrantes tiveram vínculos formais de trabalho no Brasil entre janeiro e agosto de 2024. A maioria das admissões está nas regiões Sudeste e Sul, com destaque para os estados de São Paulo e Santa Catarina.
O setor de alimentação fora do lar é parte importante dessa movimentação. Segundo pesquisa da Abrasel, 90% dos empresários relatam dificuldade para contratar, principalmente por falta de profissionais qualificados ou interessados nas vagas. Nesse cenário, contratar um imigrante pode representar uma solução — e também um ganho humano e cultural significativo para o negócio.
Iniciativas que transformam vidas — e equipes
Em São Paulo, a empresária Lilian Maia, do restaurante Esquina Grill do Fuad, tem quatro funcionários vindos da Guiné-Bissau em sua equipe. Ela iniciou as contratações em 2015, motivada por sua experiência como imigrante na Austrália, onde morou por dois anos. “Eu sei como é difícil começar a vida em outro país, com outra língua. Quis dar a mesma chance que tive”, conta.
O começo exigiu adaptação: diferenças linguísticas, costumes alimentares e práticas religiosas exigiram empatia e diálogo. “Eles comiam com as mãos e tinham vergonha de fazer isso na nossa frente. Também tinham horários fixos de oração e não podiam tocar em pessoas do sexo oposto. Tudo isso foi sendo ajustado com respeito”, explica Lilian.
Hoje, um dos funcionários imigrantes da casa é líder de cozinha, e a relação é de confiança e gratidão. “Eles são muito comprometidos. Vieram ao Brasil em busca de trabalho e valorizam cada oportunidade. A dedicação e o esforço são impressionantes”, diz a empresária. “Além disso, aprendemos muito com a cultura deles.”
Ela afirma que a equipe fez adaptações simples no dia a dia, como permitir pausas para oração ou evitar pratos com carne de porco para os colaboradores muçulmanos. Ainda assim, eles se destacam inclusive em receitas com ingredientes que não consomem. “Tem um deles que faz uma feijoada maravilhosa. Ele prova o tempero sem engolir”, conta Lilian, rindo. “É um aprendizado constante dos dois lados.”
Histórias de imigrantes que atravessam fronteiras e somam no atendimento
Em Macapá (AP), a experiência de imigrante é contada por outro ponto de vista: o do empreendedor. O português Rui Ferreira é dono do restaurante Casa Lisboa, especializado em culinária portuguesa. Engenheiro de formação, ele veio ao Brasil em 2011 e decidiu abrir o restaurante em 2020, após quase uma década vivendo no país.
Segundo Rui, os anos de vivência no Brasil facilitaram o processo. “Se eu tivesse vindo direto de Portugal e aberto o restaurante, o impacto teria sido maior. Mas com o tempo, fui aprendendo a tropicalizar minhas ideias, sem perder minha essência”, afirma. O público de Macapá respondeu positivamente à proposta, que oferece um cardápio diferente da maioria da gastronomia local.
Para Rui, a cultura de origem influencia diretamente na gestão. “O rigor, a organização, o foco em qualidade e o cardápio português são marcas do restaurante. Mas o atendimento precisa se adaptar ao contexto local”, observa.
As histórias de Lilian e Rui mostram que a presença do imigrante, seja como colaborador ou empreendedor, amplia horizontes, estimula trocas culturais e fortalece o setor de alimentação fora do lar. Em um mercado com tantos desafios, criar oportunidades para quem vem de fora pode fazer toda a diferença — para o negócio e para quem ganha uma nova chance no Brasil.
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