
Por Guilherme Paixão
Data: 16 de abril de 2025
Com cacau em alta, Páscoa desafia empresários e consumidores
Com preços elevados, negócios apostam em criatividade e afeto para manter vendas
A Páscoa de 2025 chegou envolta em um cenário atípico e desafiador para quem vive do chocolate. Com o preço do cacau batendo recordes históricos no mercado internacional, pequenos produtores e confeitarias artesanais tiveram que se reinventar para manter suas vendas — e os consumidores também precisaram adaptar o bolso à realidade mais amarga do chocolate nesta temporada.
A matéria-prima essencial na produção dos ovos e bombons se tornou um dos produtos agrícolas mais valorizados do mundo. A cotação da tonelada do cacau superou os 10 mil dólares em março, após registrar sucessivas altas desde o ano passado. Segundo analistas do setor, o movimento é impulsionado principalmente por uma severa quebra de safra em dois dos maiores países produtores do mundo: Gana e Costa do Marfim, que juntos respondem por cerca de 60% da produção mundial.
Os efeitos dessa disparada já foram sentidos no Brasil desde a Páscoa de 2024, quando o preço médio dos ovos de chocolate subiu 9,5% em relação ao ano anterior, de acordo com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Em três anos, o aumento acumulado foi de 43%. Em 2025, a situação se agravou, afetando diretamente tanto a indústria quanto os negócios artesanais e os consumidores finais.
Mesmo assim, segundo pesquisa da Abrasel, em comparação ao mesmo período do ano passado, 71% dos empresários do setor de alimentação fora do lar esperam aumentar o faturamento no feriado da Semana Santa.

Pequenos negócios se reinventam para manter a qualidade
Em Salvador (BA), a Tortarelli — confeitaria conhecida pela produção artesanal e afetiva de ovos de chocolate recheados, trufas e bombons personalizados — enfrentou de frente o desafio. Anna Patrícia Maia, sócia do negócio, revela que a alta do cacau exigiu muito mais do que reajustes de preço: foi preciso repensar o portfólio, redesenhar receitas e antecipar o planejamento com inteligência.
“Sem dúvida, a alta histórica do preço do cacau nos desafiou bastante neste ano, especialmente no planejamento da Páscoa, que é uma das datas mais importantes para a Tortarelli. Como uma empresa de pequeno porte, tivemos que nos adaptar rapidamente, buscando equilíbrio entre manter a qualidade que nossos clientes já conhecem e confiam, e tornar os preços o mais acessíveis possível”, explica.
Uma das estratégias foi focar em produtos de maior valor agregado, que entregassem mais do que sabor: uma experiência afetiva. “Optamos por ajustar o nosso portfólio, focando em ovos recheados e bombons artesanais, que entregam uma experiência única e justificam o investimento. Também fizemos um planejamento de compras mais estratégico e antecipado para tentar minimizar os impactos da oscilação dos preços.”
Ainda assim, ajustes foram inevitáveis. “Sim, tivemos que fazer alguns ajustes, mas sempre com muito cuidado para não comprometer a qualidade dos nossos produtos, que é o que diferencia a Tortarelli. Reavaliamos preços em alguns itens, especialmente os que levam mais chocolate na composição, mas tentamos ao máximo não repassar todo o impacto ao cliente”, conta Anna Patrícia.
Uma das soluções encontradas foi reformular algumas receitas, otimizando o uso do cacau sem comprometer sabor ou textura. “Testamos com bastante rigor antes de lançar”, diz a empresária. Também houve busca por novos fornecedores, não só de chocolate, mas de embalagens e insumos, para manter a qualidade com custos mais equilibrados. “Essa movimentação exigiu agilidade e flexibilidade, mas nos permitiu manter nossa essência e seguir entregando doces que encantam.”
Outro grande desafio enfrentado pelos pequenos negócios, segundo Anna, foi manter o padrão artesanal em meio ao aumento do custo dos insumos e à necessidade de manter preços competitivos. “É fácil ceder à tentação de cortar custos em pontos que impactariam diretamente a experiência do cliente — mas escolhemos seguir pelo caminho mais difícil, que é encontrar soluções criativas sem abrir mão do nosso padrão.”
Consumo afetivo resiste à alta de preços
Além da pressão nos bastidores da produção, os negócios também precisaram observar com atenção o comportamento do consumidor, que se mostrou mais cauteloso e seletivo em 2025. “O consumidor está mais sensível ao valor das coisas. Então precisamos fazer contas, rever processos, renegociar com fornecedores e até repensar o portfólio, tudo para continuar oferecendo um produto que tenha qualidade e valor justo.”
E, apesar do cenário econômico mais apertado, a resposta do público surpreendeu positivamente. “Mesmo com o orçamento mais restrito, nossos clientes reconheceram o valor do trabalho artesanal, da qualidade dos ingredientes e do cuidado em cada embalagem. Tivemos um número significativo de encomendas personalizadas, o que mostra que, mesmo com orçamento limitado, as pessoas não quiseram abrir mão de presentear com significado.”
Esse movimento também foi percebido entre consumidores de outros estados. Karla Santana, engenheira de produção de Volta Redonda (RJ), contou que teve que priorizar os presentes este ano. “Neste ano foi um pouquinho mais complicado de presentear todos os entes queridos. Tive que selecionar quem eu iria presentear com ovos de Páscoa e quem iria ganhar uma lembrancinha. Eu não sou uma pessoa que gosta muito de chocolate, então quando fui ver os preços dos ovos, me surpreendi bastante”.
A fala de Karla resume o dilema enfrentado por muitos consumidores em 2025: equilibrar afeto e orçamento. E, para pequenos empreendedores como Anna, isso representa também uma oportunidade de reforçar o vínculo com os clientes. “Foi um sinal claro de que o afeto ainda é o ingrediente principal na escolha de um doce — e isso nos inspira a continuar.”
Diante do cenário, a expectativa é que os aprendizados desta Páscoa contribuam para fortalecer ainda mais os negócios que apostam em criatividade, planejamento e conexão emocional. Como resume Anna: “Foi um desafio, mas também uma oportunidade de reafirmar nosso compromisso com a qualidade e com nossos clientes. Conseguimos manter o espírito da Páscoa vivo com muito sabor e afeto.”
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